Crise nas Assembleias Legislativas: Um Chamado à Ação
Estudos recentes revelam a preocupante realidade das assembleias legislativas brasileiras, que enfrentam um desempenho insatisfatório e carecem de debate público significativo. Essas instituições, criadas para representar os interesses dos cidadãos e fiscalizar os governos locais, passaram a operar em um ambiente de crise silenciosa. A falta de eficácia e legitimidade está corroendo a função essencial das câmaras estaduais.
Pesquisas acadêmicas e relatórios técnicos indicam que o poder legislativo nas diversas regiões do Brasil se tornou uma extensão da vontade executiva. Esse cenário é caracterizado por uma produtividade qualitativa alarmantemente baixa e uma estranha ausência de espírito público, onde debates se tornam cada vez mais raros.
Produção Legislativa: Um Índice Enganoso
Um levantamento realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pelo Senado Federal revela que as assembleias frequentemente utilizam o número de leis aprovadas como critério de eficiência, em vez de considerar a relevância social e o impacto fiscal das proposições. Este enfoque distorcido não apenas oculta a baixa qualidade técnica das iniciativas, mas também evidencia a falta de uma supervisão rigorosa sobre as ações governamentais.
Em diversos estados, mais de 70% das proposições apresentadas são de natureza simbólica, abrangendo moções de aplauso, concessões de títulos ou criações de datas comemorativas, sem nenhum efeito prático nas políticas públicas. Essa situação torna-se ainda mais grave ao se considerar a dependência dos parlamentares em relação aos governadores.
Dependência Estrutural do Executivo
Pesquisas da Universidade de Brasília (UnB), junto a centros de ciência política, revelam que a maioria das assembleias opera sob uma forte dependência do Poder Executivo. Essa relação se manifesta pela liberação de emendas, o controle de cargos comissionados e o repasse orçamentário que permanece sob a supervisão dos governadores.
Consequentemente, essa dinâmica reduz a autonomia parlamentar, levando as assembleias a atuarem como meras extensões políticas do Palácio do Governo. Projetos de iniciativa dos deputados costumam enfrentar barreiras significativas, enquanto as propostas do Executivo são frequentemente aprovadas com velocidade e ampla maioria. Em alguns estados, o apoio dos parlamentares ao governador ultrapassa 90% das votações, o que sinaliza um grau de subserviência preocupante.
Baixa Renovação e Déficit Intelectual
Outro aspecto alarmante é a baixa taxa de renovação nas assembleias legislativas. Em média, mais de 60% dos deputados são reeleitos, perpetuando estruturas clientelistas e redes de poder locais. Além disso, a formação técnica e intelectual é limitada: quase metade dos parlamentares não possui formação superior, e poucos têm experiência em áreas como políticas públicas, orçamento ou gestão.
Esse déficit de capacitação representa um obstáculo significativo à qualidade das deliberações. Como resultado, os debates tendem a ser superficiais, e questões estruturantes, como finanças estaduais, infraestrutura e educação, são frequentemente eclipsadas por pautas com apelo midiático ou de interesses corporativos.
Clientelismo e Privatização do Mandato
Estudos que investigam redes de corrupção e captura legislativa revelam a influência expressiva de interesses privados nas assembleias. Setores como o transporte, a construção civil, e o agronegócio têm exercido pressão direta sobre os parlamentares através do financiamento de campanhas e intermediação de contratos.
Esse fenômeno, que analistas chamam de “privatização do mandato parlamentar”, resulta em uma distorção onde os deputados representam interesses corporativos em vez de servir à sociedade. Essa dinâmica prejudica a representatividade e a efetividade das funções legislativas.
Ausência de Debate e Fiscalização Ineficaz
As sessões plenárias nas assembleias são, em sua essência, curtas e previsíveis, muitas vezes limitando-se a formalidades protocolares. A falta de debate técnico fica evidente nas comissões permanentes, que frequentemente permanecem inativas ou controladas pelo governo estadual. A fiscalização das contas públicas, um dos principais pilares da atuação legislativa, é rara e, quando ocorre, se dá de forma superficial, em sessões com quórum mínimo e sem a devida apreciação dos pareceres técnicos.
Esse ciclo de inércia resulta em um Executivo que governa sem contrapeso e um Legislativo que opera em meio a gestos simbólicos e discursos sem profundidade.
Desempenho Invisível e Falta de Transparência
Diferentemente do Congresso Nacional, as assembleias legislativas carecem de indicadores padrão de desempenho, o que dificulta a avaliação pública da atuação parlamentar. A qualidade e a atualização dos portais de transparência estaduais são irregulares, e raramente a tramitação legislativa é divulgada em tempo real.
A falta de dados abertos sobre votações, projetos e gastos impede que a sociedade acompanhe o trabalho dos deputados, gerando um isolamento preocupante dessas instituições, que deveriam servir ao bem público.
Um Poder em Crise
A combinação desses fatores — dependência política, clientelismo, déficit intelectual e falta de transparência — culminou em uma crise de relevância funcional das assembleias estaduais brasileiras. Embora desempenhem um papel fundamental no sistema federalista, na prática, essas casas se tornaram entidades burocráticas, desprovidas de conteúdo deliberativo e incapazes de exercer um controle democrático efetivo.
Essa crise silente expõe um dos paradoxos mais profundos do federalismo nacional: os estados possuem legislativos autônomos apenas formalmente, mas permanecem domesticados pela lógica do poder e pela conveniência do silêncio.
Imagem Redação
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