A Importância do Jornalismo das Pequenas Causas: Uma Homenagem a Dois Ícones
Em um mundo cada vez mais voltado para os grandes eventos e as manchetes sensacionalistas, a figura de dois repórteres — um de Manhattan e outro de Morro Agudo, Nova Iguaçu — brilha intensamente. Gay Talese e Marceu Vieira, ambos comprometidos com o jornalismo de profundidade, dedicaram suas carreiras a iluminar as vidas de personagens que normalmente não firmam seu lugar nas páginas amarelas de grandes jornais. Eles se afastaram do glamour do jornalismo investigativo tradicional, focando na humanidade das figuras triviais, tornando-as protagonistas em suas narrativas.
Enquanto Gay Talese, aos 93 anos, e Marceu Vieira, que infelizmente faleceu aos 63, podem viver em continentes diferentes, seus legados se entrelaçam na valorização do que se poderia chamar de “jornalismo das pequenas causas”. O mestre do jornalismo literário, Talese, lançou recentemente seu novo livro “Bartleby e Eu”, enquanto Vieira nos deixou uma obra literária e jornalística repleta de histórias e personagens da vida real que muitos preferem ignorar. Eles se uniram na missão de tornar visíveis aqueles que os editores muitas vezes consideram irrelevantes.
Marceu Vieira sempre sonhou em contar a história do dono do famoso bar Bip-Bip, em Copacabana, mais do que buscar a consagração que um perfil de um presidente da República poderia oferecer. Talese, ao receber a incumbência de escrever sobre Frank Sinatra, sentiu-se frustrado, almejando, na verdade, destacar o trabalho do redator de obituários do New York Times. Essa preferência por histórias da vida real, que ecoam a experiência comum das pessoas, define não apenas suas trajetórias, mas também a essência de um jornalismo ético e sensível.
Nunca com estridência ou ufanismo, ambos os repórteres se aproximaram do cotidiano dos seres humanos com uma delicadeza rara. Não são do tipo que agitam a redação gritando “parem as máquinas!” como consagrado nas obras sobre a profissão. Ao contrário, sua dedicação tem como feição principal trazer à tona a narrativa das pequenas vidas que muito têm a ensinar. O impacto emocional de seus textos reside na capacidade de transformar o ordinário em extraordinário. Vê-se, assim, que o verdadeiro talento está em moldar a essência das pessoas em relatos sentidos.
Certa vez, em um evento social, Zózimo Barrozo do Amaral encontrou Ana Maria Ramalho e, ao lhe recomendar que não perdesse tempo lá, disse: “Só tem ninguéns”. Essa frase retrata bem o olhar de desprezo que muitos têm pelos que não ocupam as páginas dos tabloides. Mas, para Talese e Vieira, esses mesmos “ninguéns” são fontes de histórias ricas e diversificadas, que, por sua vez, delineiam a sociedade em que vivemos. Esses personagens do cotidiano merecem ser reconhecidos, e essa é uma missão que ambos abraçaram ardorosamente.
Gay Talese construiu grande parte de sua obra em torno das ruas de Nova York, enfocando figuras anônimas e cotidianas em seus relatos. Ele narra, por exemplo, o momento em que os espectadores de um jogo de beisebol fazem uma pausa na mastigação da pipoca, como se estivessem em um ensaio da vida. Marceu Vieira, por sua vez, olhou para sua Morro Agudo natal e deu vida ao pai de santo Nilo de Iroko e a outros personagens que habitam sua memória, provando que cada canto tem seus heróis e histórias esperando para ser contadas.
No contexto atual, em que as redes sociais frequentemente priorizam a celebridade em detrimento do conteúdo significativo, o jornalismo tradicional enfrenta desafios imensos. O afã por likes e seguidores frequentemente ofusca a importância de relatar as experiências de quem não busca fama, mas sim a honestidade de viver. No posfácio de “Bartleby e Eu”, Lúcia Guimarães enfatiza que Talese nunca se deixaria consumir por aqueles que buscam a notoriedade instantânea. O mesmo se aplica a Marceu Vieira, cujo olhar sempre foi voltado para as vidas que, embora invisíveis, são cheias de significados.
Com a perda de Marceu Vieira, o mundo do jornalismo vê-se privado de uma voz singular que soube retratar a complexidade do ser humano com sensibilidade e precisão. Por outro lado, Gay Talese continua sendo uma referência, provando que a narrativa pode e deve transcender a superficialidade. Ambos deixaram um legado que nos lembra da importância de contar as histórias das pessoas comuns: essas que, nas suas ordens de grandeza, têm o poder de tocar e transformar vidas de verdade.
Imagem Redação
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