Transformação da Prática Jurídica: A Nova Era da Inteligência Artificial e as Normas Processuais
A introdução da inteligência artificial generativa tem revolucionado o campo jurídico, desafiando as práticas tradicionais e criando oportunidades sem precedentes. A eficácia dessa tecnologia, no entanto, depende da qualidade das instruções fornecidas. Nesse contexto, surge uma proposta inovadora: considerar as normas processuais não apenas como comandos legais, mas como verdadeiros algoritmos que podem orientar sistemas de IA. Essa perspectiva, explorada no ensaio de Júlio Araújo, abre novas perspectivas para advogados, promotores e juízes na era digital, destacando a urgência dessa adaptação.
A doutrina processual brasileira, historicamente, tem se esforçado em diferenciar a norma do texto normativo, seguindo as lições de importantes teóricos. Contudo, a dinâmica atual exige uma mudança de paradigma. Não é mais suficiente discutir alterações legais ou interpretações isoladas; é essencial entender como os códigos processuais podem ser moldados em verdadeiros bancos de instruções para desenvolver prompts eficientes. Essa compreensão pode significar um avanço significativo na prática jurídica, permitindo uma abordagem muito mais robusta e eficaz.
O processo de interpretação das normas processuais, quando transformadas em instruções para modelos de linguagem, é o que Araújo define como “textualização algorítmica”. Nesse novo cenário, a norma deixa de ser uma diretriz abstrata e se transforma em um conjunto estruturado de comandos que guiam a máquina na resolução de questões jurídicas específicas. Isso não apenas torna o uso da tecnologia mais eficiente, mas também proporciona um método sistemático e escalável que imita o raciocínio jurídico humano.
A transformação das normas processuais traz à tona uma profunda implicação epistemológica. Araújo argumenta que algoritmos são textos performativos que possuem coesão, coerência e intenção comunicativa. Quando aplicamos essa análise às normas processuais algoritmizadas, percebemos que elas não meramente descrevem procedimentos; elas constroem realidades jurídicas, organizam significados e moldam decisões. Esse entendimento é vital para a evolução da prática jurídica e para a adaptação às exigências contemporâneas.
A implantação dessa abordagem gera benefícios práticos significativos. Modelos de linguagem que utilizam normas processuais bem interpretadas e estruturadas demonstram uma maior probabilidade de acerto, reduzindo a incidência de “alucinações” – erros factuais ou lógicos que preocupam os juristas. Isso se deve ao fato de que as normas processuais, por sua própria natureza, apresentam características algorítmicas: possuem sequenciamento, condicionamento, iteratividade e finalidades específicas. Essa transformação promete tornar o trabalho jurídico mais eficiente e preciso.
Consideremos, por exemplo, o procedimento de citação previsto no Código de Processo Civil. Quando esse processo é moldado em um algoritmo para IA, ele não é apenas uma simples sequência de ações, mas uma lógica que verifica condições, determina consequências e orienta passos subsequentes. Essa configuração lógica pode ser um divisor de águas na maneira como os advogados atuam, oferecendo um mecanismo que sintetiza e automatiza as práticas.
Ao estruturar artigos do CPC em prompts para IA, exemplifica-se como essa representação transforma a norma processual em instruções acessíveis e executáveis. A construção em linguagem natural mantém a lógica da norma, permitindo que modelos de linguagem executem tarefas complexas de maneira sequencial. Essa clareza na execução demonstra o potencial do CPC como um conjunto de instruções algorítmicas, facilitando decisões processuais com um novo nível de eficiência.
Entretanto, é essencial que essa abordagem seja adotada com responsabilidade. Reconhecer algoritmos como textos demanda uma crítica atenta às interpretações inseridas. As normas processuais, uma vez algoritmizadas, emitem políticas e preconceitos dos seus criadores. O papel do advogado, do promotor ou do juiz que formata essas normas envolve não apenas o conhecimento técnico, mas uma consciência crítica das suas escolhas interpretativas.
Assim, é crucial que a comunidade jurídica desenvolva metodologias transparentes para essa transformação. É preciso esclarecer quais interpretações são utilizadas e quais escolhas hermenêuticas estão em jogo, permitindo que diferentes perspectivas coexistam e contribuam para um entendimento mais amplo no ambiente digital. Esse nível de transparência não apenas favorece a justiça, mas também assegura um uso mais ético e responsável da inteligência artificial na prática jurídica.
O futuro do Direito inevitavelmente passa por essa convergência entre normas processuais e inteligência artificial. Aqueles que conseguirem enxergar as normas como potenciais algoritmos e traduzi-las em instruções precisas estarão à frente da advocacia moderna. Esta não é uma era para substituir o raciocínio jurídico humano, mas para potencializá-lo, utilizando ferramentas que compreendam e implementem a complexidade processual de maneira eficaz.
Ao considerar as normas processuais como algoritmos, percebemos que não se trata de uma mera evolução técnica, mas de uma necessidade fundamental diante do avanço da tecnologia em nossa sociedade. Os profissionais do Direito têm em suas mãos a responsabilidade e a oportunidade de moldar essa transformação, garantindo que a tecnologia cumpra um papel na promoção da justiça, e não o contrário.
Imagem: Redação
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